As ondas de choque da crise financeira de 2007-2008 lançaram o mundo numa recessão global cujos impactos foram severamente sentidos no Sul da Europa.  Se a crise atingiu o sistema financeiro e bancário de toda a União Europeia (EU) e conduziu a uma prologada crise das dívidas soberanas da Zona Euro (2010-2017), os seus efeitos foram particularmente significativos e estruturais em Portugal, em Itália, na Grécia e em Espanha. Depois de, nos anos 1970 e 1980, a receita austeritária ter sido aplicada pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), sobretudo, em países em vias de desenvolvimento nos continentes asiático, africano e sul-americano, mas também em alguns países europeus, como foi o caso de Portugal em 1978 e 1983, a crise da Zona Euro deu o mote para o aprofundamento e a generalização dessa política nos Estados periféricos da UE.

A financeirização da economia, o monetarismo, a desregulação das relações económicas e de produção, o desmantelamento do Estado Social e a ortodoxia em torno do controlo do défice, da dívida e da despesa públicos são eixos estruturantes e caracterizadores da agenda político-ideológica e económico-social do neoliberalismo. A popularização e legitimação internacional das suas teses com a atribuição do Nobel da Economia a Friedrich Hayek (1974) e a Milton Friedman (1976) e os triunfos eleitorais de Margaret Thatcher (1979) e de Ronald Reagan (1980) marcaram uma ruptura – acentuada pela implosão da URSS e do “socialismo real” (1989-1991) e pela afirmação da Terceira Via nos partidos social-democratas e trabalhistas do mundo euro-americano (1980-1990) – com a arquitetura política e económico-social da Europa Ocidental do pós-II Guerra Mundial.

A austeridade deve, nesse sentido, ser equacionada à luz do contexto, do processo e das consequências da hegemonização do neoliberalismo e da globalização. Estes inauguram uma nova ordem internacional – pós-soviética – marcada pela inflação qualitativa de palavras-conceitos-valores como mercado e indivíduo, mas também pela rejeição da ideologia, da pluralidade e da transitoriedade. A economia de mercado e a democracia liberal, tal como entendida no mundo euro-americano, representaram, para alguns, o fim da história e uma nova era de racionalismo técnico, económico e político. A pluralidade e a divergência políticas só são aceitáveis se não colocarem em causa o núcleo duro da doxa neoliberal. Com efeito, a ortodoxia e a inflexibilidade com que a UE, o BCE e o FMI formularam os resgates financeiros e os programas de ajustamento estrutural aplicados em Portugal e na Grécia e a forma como os dois primeiros lidaram com as crises da dívida soberana de Itália e Espanha, demonstram como, apesar das consequências no tecido económico-social destes países, o there is no alternative de Margaret Thatcher norteou a política económico-financeira da UE, do BCE e do FMI.

Os resgates e os programas de ajustamento financeiro impostos aos países mais afetados, bem como a recusa de soluções comunitárias tendentes à repartição dos custos e das consequências da crise e ao reequacionamento dos processos e mecanismos de integração económica, assentaram a sua justificação em considerações apriorísticas e essencialistas em relação aos povos e aos governos do Sul da Europa, atribuindo-lhes a responsabilidade pela crise financeira em que se encontravam. A Comissão Europeia, o BCE e os países economicamente mais desenvolvidos da UE rejeitaram quaisquer responsabilidades na crise que afetou, desproporcionalmente, os países do Sul da Europa, revelando, no seus discurso e ação, que aqueles que representavam como pouco produtivos, irresponsáveis, despesistas e mais suscetíveis à corrupção não eram merecedores do apoio e da solidariedade do rico e empreendedor Centro-Norte da Europa.

Organizado pelo CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço & Memória, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, este Congresso pretende contribuir para o aprofundamento da reflexão e do debate científico aberto, transversal e pluridisciplinar acerca das diferentes dimensões que caracterizam a agenda e o pensamento neoliberal, os processos de integração e de convergência dos países do Sul da Europa no seio da UE, a crise das suas dívidas soberanas e os programas de austeridade que aplicaram entre 2010 e 2017, sob as perspetivas da História, da Sociologia, da Ciência Política, da Filosofia, da Antropologia, das Ciências da Comunicação, do Direito, da Economia e dos Estudos Culturais e Literários.

 

Linhas temáticas:

– Neoliberalismo e austeridade: história, programa político-social, agenda económica, expressão académica e mediática;

– Neoliberalismo e austeridade como ética e moral;

– Neoliberalismo e austeridade no quotidiano: empobrecimento, desigualdade, precariedade, desemprego, emigração;

– Resgates e programas de ajustamento e as suas consequências;

– Neoliberalismo e austeridade – reflexões sobre o Estado Social;

– Sul da Europa e União Europeia: processo de construção e de integração europeia e na Zona Euro e as suas consequências para as economias dos Estados periféricos;

– Respostas e consequências políticas da crise da Zona Euro na UE e nos seus Estados-membros, particularmente nos do Sul da Europa;

– Auto-representações do Sul da Europa no contexto da crise e representações do Centro-Norte da Europa (imprensa, instituições, governos) em relação ao Sul;

– Populismo, neoliberalismo e crise: fenómenos interdependentes ou autónomos?;

– Alternativas políticas, sociais, económicas e culturais ao neoliberalismo e à austeridade;

– Expressões do neoliberalismo, da recessão e da austeridade na produção artístico-cultural.

 

Comissão Organizadora:

Bruno Madeira (ICS/UM; CITCEM)

Conceição Meireles Pereira (FLUP; CITCEM)

Paula Grenha (ICS/UM)

 

Comissão Científica:

Ana Sofia Ferreira (IHC/UNL; FLUP)

António Costa Pinto (ICS

Fátima Moura Ferreira (Lab2PT; UM)

Gaspar Martins Pereira (CITCEM)

Luís Velasco-Martínez (Universidade de Vigo)

Manuel Loff (IHC/UNL; FLUP)

Patrícia Alves de Matos (CRIA/ISCTE)

Rodrigo Turin (UFRJ; LETHE)

Silvia Correia (FLUP)

Virgílio Borges Pereira (IS-UP)

 

Secretariado:

Bruna Lobo (CITCEM/FLUP)

Estefânia Lopes (CITCEM/FLUP)

Tânia Ferreira (CITCEM/FLUP)

 

Contactos:

Tel.: 226077177 | e-mail: citcem@letras.up.pt

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